Desde que foi lançado, em 16 de novembro de 2020, o Pix transformou os meios de pagamentos. De lá para cá, o sistema, pensado para pessoas físicas, chegou às pequenas e médias empresas e, mais recentemente, virou negócio também para bancos e fintechs, que trataram de providenciar soluções com a ferramenta. É o parcelamento de pagamentos via Pix.
“É muito fácil de você providenciar o serviço do Pix. A ideia do Pix não veio dos bancos, veio do BC. E depois do sucesso eles viram que não tinham outra alternativa a não ser aderir”, afimrou a especialista em educação financeira Cássia D’aquino.
Segundo ela, a pandemia impulsionou o e-commerce, que já vinha ganhando força, e isso reflete nas novas modalidades de parcelamento pela internet.
“Além da praticidade, a internet proporciona ao consumidor ponderar melhor os preços, as opções de pagamento, visitar outros produtores. As opções são maiores e mais variadas.”
Pedro Noll, diretor comercial e marketing da BoletoFlex, contou ao CNN Brasil Business que, quando fundou a empresa com os sócios, em 2019, o Pix ainda não existia e o foco era o parcelamento de boletos.
Com a criação do sistema, no entanto, a fintech passou a oferecer serviços de parcelamento por meio do Pix, que, em pouco tempo, virou o carro-chefe da empresa.
“Atualmente, 75% das nossas operações são via Pix, contra 25% de boletos. Essa migração de clientes facilitou a cobertura de entrada de pagamentos e ajudou a descentralização dos serviços financeiros”, avaliou Noll.
A BoletoFlex oferece a opção de parcelamento em 4 vezes sem juros ou em 24 vezes com juros a partir de 1,99%. O valor mínimo de transação é R$ 100, enquanto a parcela mínima é R$ 50.
“Achávamos que nosso público teria um perfil mais velho, de pessoas acostumadas com o carnê digital, que poderiam migrar para o Pix. Mas, na verdade, 70% dos consumidores tem entre 18 e 35 anos, e geralmente nem possuem cartão de crédito”, disse.
Um levantamento realizado pela fintech brasileira Pagaleve com mais de mil consumidores brasileiros mostra que os jovens realmente dominam as transações por Pix.
Segundo a pesquisa, pessoas de 25 a 34 anos são as que mais usam o parcelamento por meio da ferramenta de pagamento do BC, representando quase 40% dos consumidores.
Na sequência, os consumidores que mais utilizam o Pix parcelado estão na faixa-etária de 35 a 44 anos (37%).
Já em relação à renda dos usuários, o levantamento mostrou que os que mais usam a modalidade tem renda entre R$ 1.000 e R$ 2.000, representando 28% do grupo.
Em relação ao perfil das empresas, o levantamento aponta que as que mais adotam o serviço são as pequenas e médias empresas.
Entre as 46 varejistas analisadas, as de pequeno porte representam 35% do total, enquanto as médias são 30%, e as grandes, 13%.
Bancos apostam no Pix
Desde o fim do ano passado, a ferramenta de pagamento instantâneo do BC registra mais de 1 bilhão de transações todo mês, no país. O recorde ocorreu em dezembro de 2021, quando alcançou 1.463.265.548. Em fevereiro deste ano, foram computadas 1.367.981.508 operações, mantendo a segunda melhor colocação.
A adesão em massa ao Pix fez com que até mesmo bancos tradicionais passassem a ofertar produtos do segmento de serviço de crédito por meio da ferramenta.
Entre os “bancões”, o Bradesco foi pioneiro no lançamento da modalidade de crédito via Pix, há um ano e dois meses. Até o mês de março deste ano, o banco informou ao CNN Brasil Business que atendeu 850 mil clientes, somando R$ 170 milhões.
O quarto trimestre de 2021 apresentou a maior expansão, com alta de 71% no número de operações (364 mil) e de 75% no volume realizado (R$ 69,9 milhões).
O banco cobra juros a partir de 2,36% ao mês pelo serviço, e com prazo de até 60 meses para pagar, conforme o perfil do cliente e características da operação.
Já o Santander lançou no mês passado a ferramenta “Divida o seu Pix”, opção de crédito disponível exclusivamente pelo aplicativo do banco.
O valor mínimo de contratação é de R$ 100 e o valor máximo, limitado às condições pré-aprovadas para o cliente. O banco comunicou ser possível dividir em até 24 vezes, com 59 dias para que as parcelas comecem a ser debitadas diretamente na conta corrente.
“Em 2021, vimos as operações via Pix aumentarem até 5,3 vezes entre janeiro e dezembro. Considerando clientes PF e PJ, foram mais de R$ 100 bilhões transacionados”, disse Luciana de Aguiar Barros, diretora de Produtos de Crédito para Pessoas Físicas do Santander.
As taxas variam a partir de 2,09% ao mês. O serviço é destinado para clientes pessoas físicas do Santander e a transferência pode ser direcionada para contas de pessoas físicas e pessoas jurídicas.
O Itaú informou ao CNN Brasil Business que “não responde solicitações sobre este tema”.
A transformação do carnê de pagamentos
Não foi somente o Pix que provocou mudanças na modalidade de crédito. Os tradicionais carnês de pagamento também ganharam roupagem digital para manter uma fatia do mercado no e-commerce.
As fintechs aceleraram o processo de análise de crédito online e modernizaram os sistemas de segurança.
“Quando começamos com a Boletoflex, em 2019, não existia o Pix, e víamos os estrangeiros falando bastante sobre o chamado ‘buy now pay later’. Por isso, nossa ideia era trazer o crediário para o mundo digital, já que essa opção quase não existia no Brasil”, afirmou Pedro Noll, diretor comercial e marketing da BoletoFlex.
“O consumidor quer uma coisa mais ágil, e isso é o diferencial do mundo online. Portanto a espera não pode acontecer. Tendo isso em mente, tivemos dois principais desafios: fazer a análise de crédito em tempo real e trabalhar para não cair em tentativas de fraude”, acrescentou.
O empresário disse que foram criados mecanismos de segurança como logins sociais, a partir de contas em redes como Facebook e Google, obrigatoriedade de selfies para confirmação da identidade, análise de contas passadas entre outras.
Segundo ele, o sistema leva até 5 minutos para fornecer o crédito ao cliente e concluir a verificação dos mecanismos anti-fraude para o carnê 100% digital.
Noll avalia que os carnês de pagamentos ainda representam uma importante fatia do mercado, e que a empresa não pretende encerrar as operações com boletos no longo prazo.
Para Patrícia Palomo, gestora de recursos e conselheira da Planejar, serviços que fornecem essa modalidade contribuem para uma parte da população que não usa cartão de crédito.
“Existe uma parte da população que prefere não utilizar o cartão, é uma escolha, mas tem uma parcela enorme de pessoas que simplesmente não tem acesso ao crédito”, afirmou.
“Isso porque é muito difícil as instituições estimarem o risco de inadimplência de quem não tem histórico de renda, de conta-corrente etc. Elas utilizam essas informações para avaliar os riscos sobre o consumidor, e isso faz com que essa parcela fique de fora do mercado e recorra ao carnê”, completou Palomo.
Tendência
Para a especialista em educação financeira Cássia D’aquino, passados dois anos com a economia em frangalhos em razão da pandemia, é esperado que as pessoas usufruam com as flexibilizações que venham ocorrendo e isso seja refletido no comércio.
D’aquino pondera que o risco de ofertas de crédito sedutoras, em uma população com porcentagem alta de inadimplência, é justamente aumentar o número de pessoas que deixam de pagar suas dívidas.
“Existe uma tendência de inadimplência a partir de 4 meses, isso não é uma regra, mas indicadores mostram que é o que costuma acontecer porque as pessoas esquecem de pagar e, assim, novas dívidas vão acumulando”, ressaltou.
Segundo ela, a preocupação primordial do consumidor deve ser a de ponderar o porquê estar fazendo aquela compra, independentemente das ofertas de crédito que receba.
“O Pix virou uma paixão nacional. Ele realmente teve uma adesão muito forte. Por outro lado, a inadimplência dos cartões de crédito aumentou, o que causou um sentimento ruim”, disse D’aquino.
“Não temos motivos que levam a acreditar que com o Pix a inadimplência será diferente. É preciso ter planejamento, pois senão a inadimplência apenas trocará de lugar”, concluiu.
De acordo com levantamento de fevereiro do Serasa, o número de inadimplentes no Brasil ultrapassou os 65 milhões pela primeira vez desde o começo da pandemia.
A soma dos valores de todas as dívidas chegou a R$ 263 bilhões, superando em R$ 4 bilhões o montante registrado no pico da pandemia, em 2020.
Entre os que estão devendo, o maior número está concentrado entre os mais jovens, na faixa-etário dos 26 a 40 anos (35,3%).
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